Descance em paz

Eu cansei:

De ver em pessoas, futuros promissores;

De transformá-las em grandes amores, que nunca serão meus e, talvez, nem grandes;

Esperar delas mais do que podem dar;

E, principalmente, de não lhes falar o que esperava.

Cansei, de esperar que o sol sempre venha, mesmo quando sei que a chuva tem que vir, sim, ela tem que vir pra regar as coisas sedentas do mundo.

Cansei de prever um amanha que nunca irá chegar, porque o destino, existindo ou não, é imprevisível e, na tentativa de alterá-lo não nos tornamos aquilo que somos e, sim, o que queríamos ser.

Cansei de falar sobre o passado, porque está morto e enterrado e sujar as mãos pra quê? Quando sabemos que a cada palmo de terra que cavamos enterramos um pouco mais do presente que é o agora.

Cansei de pensar nas perguntas que não têm resposta e passei a valorizar mais aquelas que a vida já me respondeu, mesmo quando a pergunta permanecia calada dentro de mim.

De onde viemos e para onde vamos? Eu cansei de querer saber, porque voltar não posso, não sem remorso e, ora, se é de certo o futuro um mistério, de que importa aonde vou, se nada ou pouco vivi.

Cansei de ouvir falar de um Deus onipotente, o meu castiga os que não vivem a vida a sorrir, os que têm medo de errar, medo de partir e sonhar. A mim os dez mandamentos deveriam ser: amar tua vida sob todas as coisas, porque nela está o teu Deus; agradeça a todos que lhe ajudam e pare de reclamar em vão; aproveite o tempo livre para visitar alguém que esteja precisando de atenção (inclusive seu interior abandonado); aproveite a convivência com teus pais e aprenda com eles; não mate a esperança de um mundo melhor; respeite os limites do teu corpo entre o prazer e a vulgaridade; não roube a vida que lhes foi dada e não faça dela um nada que valha a pena contar para teus filhos; julgue o quanto quiser e a quem quiser, mas saiba que alguém está fazendo o mesmo, independentemente, do que você faça de sua vida; não interfira em uma união senão para rompê-la pelo bem de todos os envolvidos; aprenda a viver com o que tens, porque é o que mereceste até o momento.

Eu cansei de assistir aos telejornais e manchetes policiais, cansei dos romances que li, cansei da imagem que me reflete todos os dias no espelho, cansei da saudade de alguém, cansei de perder pessoas pra vida e pra morte, cansei de ver todos correndo enquanto fico aqui parada, cansei do despertador das 7, cansei do “bom dia” do vizinho, cansei até de carinho, cansei do mesmo caminho, cansei de escrever pra leitor algum, cansei de odiar, cansei de desistir do que quero, cansei de dizer “sim” a todos e “não” a tudo que peço a mim mesma, cansei de perder por amar demais, cansei de me isolar, cansei de tentar controlar o mundo de alguém enquanto o meu está uma desordem, cansei de amar tanto aos meus pais sem ter coragem de admitir que eles estão, sim, certos, cansei de olhar para os meus filhos sem temer perde-los a cada instante, cansei do salão de beleza e da tristeza que vejo nos olhos maquiados, cansei do grito desesperado que guardo velado, cansei tanto, de tudo um pouco, um pouco de tudo, que continuo cansando e cansando as vistas do leitor cego.

Apenas, não canso de viver, porque tenho a eternidade para descansar esses cansaços que a vida - guardada entre meus mandamentos e bem mais do que sete pecados capitais - deu-me.

Autor desconhecido (porque nunca me reconheço ao me reler, outra já sou)